Na escuridão da noite, o pescador pernambucano cumpre o ofício com cuidado e dedicação. Um medo, porém, o acompanha: a qualquer momento poderá emergir do mar um halo de fogo azulado que brilhará pelos rochedos e correrá nas ondas clareando as espumas. Não são poucas as vezes em que a sinistra aparição prenuncia tormentas e mortes: contam-se casos de afogamento depois que a entidade luminosa foi vista naquele pedaço do litoral.

Chamam a assombração de João Galafuz e dizem que teria sido um caboclo morto no mar antes de batizado. A visão daquele espectro é indício de desastre e tragédia porque ele mesmo carrega um fado, uma maldição. Ao brasileiríssimo nome João uniu-se o africanismo Galafuz para representar o fogo-fátuo.
O historiador e folclorista Francisco Pereira da Costa, nascido no século 19, já descrevia o João Galafuz em seu “Vocabulário Pernambucano”. Seria uma espécie de duende que emergia das ondas, surgindo das pedras submersas como um facho luminoso e multicor, prenúncio de tempestades e naufrágios. Pereira da Costa afirmava que a crença era dominante entre pescadores e homens do mar do norte do Estado, principalmente de Itamaracá. Mas que até nas praias de Sergipe teria sido visto, só que lá o haviam apelidado de “Jean de la foice”.
Já o conhecido pesquisador e folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo nos conta em sua “Geografia dos Mitos Brasileiros” que a assombração também é conhecida pelas bandas das Alagoas, desta vez com o nome de João Galafaice ou Galafoice, sendo associada à lenda a ideia de um preto velho raptor de crianças.

Até na música pop, o estranho ser apareceu: a banda pernambucana Nação Zumbi lançou uma música de mesmo nome no disco Rádio S.Amb.A. em 2000. A letra fala de alguém cuja jangada voará e vai “morar depois do mar”. Será que a pessoa quer se transformar em fantasma?
O fato é que ainda hoje pescadores mais velhos do nosso litoral tentam se prevenir com amuletos e rezas contra esse macabro duende também visto por veranistas e visitantes que se arriscam a entrar no mar durante a noite. Testemunhas falam de uma espécie de bola de fogo que flutua na escuridão entre os arrecifes, nas ondas ou até por cima da areia. Não são poucos os turistas que ficam apavorados por causa do João Galafuz.
Contado por André Balaio
Ilustração: André Soares Monteiro, artista plástico idealizador do Movimento Catamisto (Catar e Misturar o lixo para transformar em arte)
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